A dupla Ricardo Leal dos Santos / Rui Silva, a bordo do Mitsubishi Pajero V6 3500 da equipa Berner / Simplesnet / BFT Desert Team, foi uma das quatro equipas portuguesas que no passado Domingo logrou terminar a sua participação na 27ª edição do Barcelona Dakar por muitos considerada uma das mais duras de sempre. Chegados a Portugal e já refeitos de quinze dias vividos de forma muito intensa fazem um balanço dessa participação... e juntam algumas estórias que ajudam a pintar com cores muito vivas, o relato da sua aventura!Para Ricardo Leal dos Santos a nossa participação foi “à moda antiga. Não íamos com objectivos desportivos nem levamos muito material de assistência, apenas íamos bem munidos de ferramentas, a que não é alheio o patrocínio da Berner. O nosso carro seria dos mais antigos em prova e o Rui nunca tinha feito um Dakar. Somando tudo, a nossa meta era chegar e ultrapassar da melhor forma todas as dificuldades. Ao contrário do que se possa pensar o nosso maior problema residiu não nas dificuldades naturais da prova mas daquelas que eram acrescentadas por toda a caravana que ia a nossa frente em especial pelos camiões. Dou um exemplo. Um cordão de dunas que ultrapassaríamos em dez minutos de dia com a pista normal, como fazem os pilotos da frente, tínhamos de o fazer com o Rui fora do carro a orientar as manobras já que as dunas estavam desfeitas e o que se nos apresentava era puro trial. Houve um dia em que demorámos cinco horas para fazer 30 quilómetros” salienta o piloto para quem “esta foi uma experiência nova já que de moto nunca via as pistas assim. De noite – e quanto mais partíamos no fim mais de noite fazíamos a prova – o que era ainda pior. Andamos até ao amanhecer em 5 etapas. Os faróis do nosso carro não tinham um grande alcance dentro das dunas e com as principais passagens barradas por carros atolados era necessário esperar pelos camiões com melhor iluminação e visibilidade passam para lhe seguir o rasto.
Um dos momentos mais dramáticos vividos pela equipa aconteceu na etapa 10, sessenta quilómetros depois de Atar. “Já éramos dos últimos carros em pista quando depois de passar uma aldeia e à passagem por um desfiladeiro, nos apercebemos que estava um grupo a atirar pedras. O intuito era evidente e já nos tinham alertado para isso. Íamos ser assaltados. A pista tinha um talude e uma parte mais inclinada. Encostei o mais possível ao talude para não dar espaço a ninguém e tentei ir o mais depressa que podia, mas a pista era uma trialeira cheia de pedras gigantes e a tentar que não conseguissem abrir o carro deve ter batido com o fundo numa pedra mais saliente e senti perfeitamente qualquer coisa a partir-se. Percebi que era da suspensão mas felizmente o carro andava e como eles não conseguiram abrir as portas nós lá conseguimos sair dali. Parei um pouco mais à frente para ver os prejuízos com o Rui sempre a olhar para a pista a ver se eles não voltavam a aparecer. Confesso que tive algum medo e com a suspensão partida e a faltarem 500 KM cheguei a pensar que a nossa prova tinha acabado por ali ”.
Para Rui Silva esta foi também uma experiência alucinante. “Já tinha acompanhado o Ricardo em várias aventuras mas esta ultrapassou tudo em termos de dureza e exigência física, porque a partir de certa altura já quase não tínhamos oportunidade de dormir. Era sempre em continuo. Houve dois dias em que chegámos e trinta minutos depois partimos. Mesmo assim fomos cultivando algumas amizades já que a parte de trás da caravana era sempre composta pelos mesmos e várias vezes ajudávamo-nos uns aos outros. Mesmo assim desse Top 10 “árabe” como lhe chamávamos nós fomos os únicos que chegamos a Dakar.
No dia em que arrancaram para o sector selectivo logo após terem chegado “nem deu para perceber bem qual era o problema de embraiagem que tínhamos já que a meia hora de que dispúnhamos foi só para encostar para o lado e teve de ser o controlador a chamar-nos para entrarmos para o troço cronometrado. Por isso – e como já estávamos na Africa negra com muitas aldeias ao longo do percurso – não hesitei numa povoação onde viu uma placa de mecânico, paramos e para espanto geral contratámos o rapaz que lá estava para tentar dar um jeito na embraiagem. Enquanto ele tentava dar com o problema nós aproveitamos para limpar os filtros e fazer os reapertos que deveriam ter sido feitos à chegada” conta Ricardo Leal dos Santos que se sente um vencedor na medida “em que sempre disse que apenas queria terminar. Era a minha primeira vez de carro, e depois de ter conseguido fazer o Dakar de Quad, esta foi igualmente a minha vitória e soube tão bem como muitos outros sucessos desportivos”.
Terminando o Dakar com uma “folha de obra” limpa, zero toques, zero erros de pilotagem e navegação, uma condução rápida sempre que a pista era só técnica e uma licenciatura em situações críticas de carro no deserto Ricardo Leal dos Santos está convencido de que “estamos bem preparados para voltar no próximo ano mas nessa altura espero fazê-lo aos comandos de uma máquina mais performante e que, ao contrário do que foram os nossos objectivos que reafirmo foram excelentemente cumpridos, nos permita ter outras ambições desportivas e lutar por lugares e por metas ao nível daquelas que já anteriormente alcancei em Quad."
W e b - d e s i g n